A Fonte

"Mas quem sou eu para censurar os culpados?
O pior é que é preciso perdoá-los.
É necessário chegar a tal nada que indiferentemente se ame ou não se ame o criminoso que nos mata.
Mas não estou seguro de mim mesmo: preciso perguntar, embora não saiba quem de vós me trucida.
E minha vida, mais forte do que eu, responde que quer porque quer vingança e responde que devo lutar como quem se afoga, mesmo que eu morra depois. Se assim é, que assim seja."
(A hora da estrela, p.81, Clarice Lispector)


"A Fonte"

Neste enxovalho de amores,
apenas sei que amei com toda força que há em meu peito.
Amei por mais trucidado que fosse,
por mais pisado, esmagado e estripado,
por dentre as vísceras sujas ao chão, eu amei.

Me falam de tipos de amor,
um amor para cada tipo de coisa,
um modo de amar para cada momento específico.

Devo ser tolo e ruminante,
só sei amar um tipo e de um modo,
talvez minha ignorância de luzes,
me cegue para o ar que não vejo.

Relembrando agora,
a todos que amei na vida (inclusive os que já se foram),
tenho certeza que amei verdadeiramente ao meu modo,
cada um e cada uma, com toda potência da minha fonte de amor.
É, tenho uma fonte de amor,
antes achava que era um vaso, donde tirava de dentro, conchadas de amor para dar,
mas hoje sei que é uma fonte.

Cuido dela para que não se contamine com coisas que possam poluir,
como sacolinhas de palavras plásticas ou sentimentos de metais pesados.
Mantenho o mato e a mata à sua volta, quase incólume, quase virgem,
só não é virgem, por que dali nasci.

Limpo meus pés e tiro minhas vestes para nela poder tocar, banhar-me.
Imaculada seja sua água.

Uma vez me disseram que se cura um amor com outro,
ou ainda pior, que uma trepada faz esquecer coisas amadas,
quase vomitei de nojo, do pútrido que tentava sujar minha fonte.
Trepar é amar???
Tenho uma gatinha em meu colo neste momento,
denominada "menina" ou "bolinha" ou qualquer coisa que a denomine,
faço carinho e ela retribui ronronando e esticando o pescoço para eu poder fazer carinho no lugar certo que ela deseja,
amo ela,
será que devo trepar com ela por que a amo?

Se tanta coisa pudesse, tanta coisa faria?

Palavras podem realmente matar.

Considerar as coisas, as coisas verdadeiramente,
assim como dizer a verdade,
considero hoje,
também um ato revolucionário,
assim com a autonomia.
(leia-se que autonomia não é individuação)

O que dizer dos fingimentos pútridos,
estes são a ruína da mata,
e consequentemente da fonte.

Mas podem dizer:
- Quem é que não finge vez ou outra por motivos nobres, ou para um bem maior?
Pergunto:
- Que nobreza ou bem verdadeiros podem surgir da mentira?

Ah, deixa pra lá,
não estamos falando aqui de mentira ou verdade,
nem de nobreza ou pobreza,
e sim de amor né?!??? (ironia da mais maquiavélica e desdenhosa)
e todo mundo precisa viver e comer e passear e festejar e ...

puts, creio que me passei, mas vou terminar como comecei,
com a Clarice.

"E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim."
(A hora da estrela, p.87, Clarice Lispector)

beijos a todos e bom dia (acordei a pouco)!

Edu

Comentários